Depois de caminhar
durante uma vida, chego ao meu mais profundo e inóspito interior. Entre
milhares de feixes luminosos, sons e sensações nunca antes sentidas percorro
toda minha vida em pouco mais de dois segundos. Dois portões que se perdem numa
infinita altura surgem pela frente, parando todo e qualquer movimento da minha
caminhada. Este frontispício forjados a ferro fundido, calcinado pelo padrasto tempo,
é assustador. Sinto com as minhas mãos um áspero e arrepiante som metálico,
aquando forço a entrada. Algo me diz que não devia estar por ali. Pequenas e
grandes estátuas movem-se lentamente, olhando para o meu esforço estóico, quase
aflitivo para passar a barreira metálica que me encarcerava do lado de fora.
Pequenas lascas de pedra saltam dos seus corpos em movimento repousando sem
qualquer som num chão rochoso e sujo. Parece que não se moviam faz tempo; muito
tempo. O portão fica entreaberto para não mais mover-se. Morre o seu guincho
dilacerante. Sinto as centenas de estatuetas semi-humanas fixarem-me no seu
curto horizonte. Todo o ambiente é húmido, colorido a cinzento pintalgado de
verde seco. Arrepia estar por ali, sozinho. Um pequeno raio de luz atravessa
todo o ambiente vindo do céu. Faz-me lembrar quando num dia coberto de nuvens
negras um raio de sol abre caminho até ao mar. Esse raio projectava-se sobre
uma poltrona, grandiosa e imponente pelos detalhes. Aproximo-me, sempre vigiado
pelos inúmeros olhos de pedra que fazem questão de me marcar. Deambulando pelos
trilhos do caminho sinuoso, consigo chegar até ao espécime híbrido que se
encontra sentado e iluminado. A sua cabeça de cavalo puída pelo tempo começa a
estalar, tentando endireitar-se para me olhar. Dou um passo atrás, assustado
com o que vejo. De repente o seu único olho interroga o consciente.
– Que me
queres? – Pergunta com desdém. Ainda surpreendido por toda a envolvente
respondo-lhe de sobrolho inquisitório.
- Onde estou? – Começa a murmurar entre
dentes uma linguagem que não entendo. Ecoava por todo o lado numa gravidade
crescente, fazendo lascar os demais pilares jónicos que seguravam a névoa
celestial. Quando olho para trás todas as estatuas estava alinhadas
geometricamente.
– Este é o teu inconsciente.
Entro em sobressalto
para tentar perceber o que se passa à minha volta. Ele continua.
- Foi isto que
construíste ao longo dos tempos. Nunca vieste para perceber o teu íntimo e
mortal instinto. Esta é a tua profundeza inóspita. Aqui jazem os teus mais
profundos pensamentos, os teus receios e os sonhos que nunca quiseste vingar.
Olho em redor,
começando a reconhecer as pequenas e grandes estatuetas com alguns objectos nas
mãos. Objectos que me traziam resquícios de vontades já passadas e cilindradas
pelo tempo. Aquele avião pequeno, aquele tubo de ensaio, um livro, um violino,
a bola, a raquete e os demais, implodiram em mim. A saudade encheu-me o
pensamento, mas logo sou acordado desse sonho inconsciente.
– Portanto o que te
pergunto é o seguinte: Olha para ti como se olhasses para um estranho. O que
vês?
As estátuas começam
a desfazer-se e as grandes colunas jónicas zumbem ao sabor da queda que as
transformam em poeira cimentada. O último a desaparecer foi o híbrido, cuja
cabeça de cavalo se transformava a golpes de erosão numa cabeça humana. Reconheci-a.
Acordo com essa
pergunta na cabeça. Existe um manuscrito em cima da minha cama, perto da minha
cabeça que resvala entre duas almofadas.
“ Vive os teus sonhos.
Transforma a tua vida. “
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