sexta-feira, 1 de maio de 2015

A Mochila



Recostou-se no banco e sentiu aquele pequeno solavanco aquando as carruagens se encaixam umas nas outras, prontas para uma viagem sem fim. Levava uma pequena mochila vazia, amarrotada debaixo do braço. Aproveitou para apanhar melhor o cabelo, pois era uma mulher que se prezava. Aquele gesto que o indicador fazia, metendo, primeiramente, a sua cabeleira farta atrás da orelha, era digno de uma sensualidade invulgar. Inspirou fundo fixando o seu olhar no infinito.

O Apito apressava os transeuntes que na plataforma a fumar os últimos cigarros, a despedirem-se em lágrimas de alegria, de abraços sinceros e sorrisos meigos que agasalham qualquer um, nessa tarde fria de Outono.
Naquela estação só partiam comboios. Nunca ninguém vira as locomotivas voltar, parecendo que os carris só tinham um sentido, o de ida para o desconhecido. Talvez fosse esse o facto que levava as pessoas a despedirem-se de forma tão blandícia.
Era assim que começava a sua vida, com pessoas que não conhecia, sítios que só existiam na sua expectativa, sentimentos que não experimentara. A vida começava lentamente a preto e branco e só esta carruagem, com o rama-rame que lhe era inerente, podia dar um pouco de cor à sua visão.
Cada pessoa que lhe era desconhecida na plataforma falava com ela, tentando perceber um pouco quem ela era, ajudando-a a construir uma melhor visão do mundo fora daquele comboio.
Partilhavam as suas experiências, mostravam-lhe o mundo através dos seus olhos coloridos. Deixavam pequenas oferendas, palavras escritas em folhas soltas, pequenos momentos impressos em papel fotografia, por vezes pequenas frases ditas no aconchego de um abraço. Era uma panóplia de pertences que engordavam a sua mochila.
Os anos passavam e chegaria a altura daquela menina, já adulta, sair do comboio. Nunca se soube como esse momento de selecção era feito, mas era algo que sempre tinha ocorrido dessa forma ao longo do tempo. O mundo já não era a preto e branco, tinha cores intensas quase que lhes sentia os seus sabores e cheiros.
Parou, olhou para todo o lado e todos aqueles que outrora lhe afagaram os sentidos, tinham desaparecido. Tinha chegado a hora! Pegou na sua mochila, leve mas carregada de ideias, e deixou aquele comboio.
As portas fecharam-se. Todo o mundo estava à sua frente. Ajustou a mochila ao seu corpo ainda não percebendo que nela, guardava toda a forma de amar, todos os medos e virtudes, que a acompanhariam para todo o sempre fora dos carris que viajou, fora do comboio onde cresceu.
Vasco Ribeiro - 2015

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